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"Meu querido Phillip"

Londres, 1817

 

Suas mãos estavam trêmulas ao segurar o envelope lacrado. 

— Meu amor… — Magnolia o chamou. 

Phillip Spencer encarou a noiva, que se tornaria sua esposa em poucas horas. Garden’s House já estava calada àquela hora da noite, embora ele estivesse muito acordado. 

— Não entendo porque minha mãe me entregou isso antes do casamento, se meu pai desejava que eu a lesse depois. 

Magnolia sorriu levemente. 

— No pouco que conheço sua mãe, acho que ela sabe o que está fazendo. 

Phillip imaginava que sim. 

— Vou lê-la. — Ele respirou fundo. 

— Vou deixá-lo à vontade. — Magnolia começou a se afastar, mas ele a segurou. 

— Não! Fique aqui, coelhinha. Por favor. Preciso de você. 

Os olhos cor de mel se emocionaram. 

— Claro, querido. Estou bem aqui. 

Phillip assentiu e voltou a olhar para o papel. Pouco tempo tinha se passado desde o falecimento de Wallace. Embora estivesse feliz e realizado ao lado do amor de sua vida, quando fechava os olhos, Phillip ainda conseguia enxergar a expressão de dor do corpo sofrido em seus braços. 

Duvidava que aquela ferida cicatrizasse completamente um dia. Viver em um mundo sem seu pai era muito difícil. 

Ele rasgou o envelope com cuidado e tirou a carta de dentro. Parou, com a mandíbula rígida e a respiração entrecortada. 

— É seu pai, Phillip — Magnolia sussurrou. — Vindo dele, só pode ser algo bom. 

Sim, ela tinha razão. Não havia o que temer. 

Ele começou a ler em voz alta:

​

“Meu querido filho. 

Então, como eu disse a você… aconteceu. 

Estou morto mesmo, o que significa que você é o Lorde Spencer agora. 

De todos os meus anos como chefe de família, Phillip, eu aprendi algumas coisas. Primeiro, sua esposa sempre terá razão, tenha juízo e a escute. Segundo, não deixe que as pendências burocráticas se acumulem por muito tempo, isso pode lhe dar uma dor de cabeça forte. Terceiro, seus filhos nem sempre corresponderão às suas expectativas. 

Veja você, por exemplo. O tanto que nos surpreendeu. 

E não, não estou me referindo aos erros que pensa ter cometido, meu filho. O que quero dizer aqui, é o quanto você me faz orgulhoso. 

Um homem precisa ser íntegro e nobre para assumir riscos como você fez. Arriscou conhecer o mundo, foi enganado, retornou. Foi como um irmão para Fabius quando ele precisou e trouxe Flavian para casa, de volta para nós. Perdoou Paolo Mazza e jamais recriminou sua irmã por encontrar a felicidade nos braços de alguém inusitado. Ajudou Daisy em sua necessidade, certificou-se de que ela estivesse segura, ainda que isso tenha lhe custado um preço alto. 

Agora, está carregando o peso do mundo em seus ombros com o fardo que lhe direcionei. 

Por isso, perdoe-me, Phillip.

Talvez eu tenha sido duro demais em pedir-lhe que se colasse no lugar, que erguesse a cabeça em meio às suas dificuldades recentes. Você se perdeu sem que eu pudesse impedir, e isso me dói. Contudo, sei bem o filho que criei. 

Sua mãe sempre me chamou de sabichão, porque, segundo ela, eu sei das coisas um pouco bem demais. Então você estará lendo isso ao lado da mulher que conquistou seu coração, de sua esposa. 

Diga "olá" para ela por mim. Tenho certeza de que é uma mocinha adorável, merecedora de seu amor. Não posso abraçá-lo no dia de seu casamento, garoto, mas estarei na primeira fila, com o peito estufado de orgulho.

Tanto orgulho, Phillip, por ter tido a sorte de ser seu pai. 

Obrigado. Por ser meu melhor amigo, além de meu herdeiro. Por cuidar de mim no momento em que mais precisei, por me manter em pé. Obrigado por dividir esse fardo tão difícil, que é dizer adeus a vocês. 

Cuide das meninas por mim, e não se preocupe com as novas responsabilidades, com assumir o meu lugar. Eu não estou preocupado. Tudo que vivemos até aqui só me dá a certeza de que você, Lorde Spencer, será muito melhor do que seu velho pai. 

Eu o amo exatamente como é. Um herói. Um menino travesso e alegre. 

Um bom filho. O melhor que eu poderia ter. 

Com saudades, 

Wallace.”

​

Phillip limpou os olhos úmidos e afastou o papel quando Magnolia o envolveu em um abraço. 

— Eu sinto falta dele — ele confessou. 

— Eu sei. — Magnolia chorava também. 

Phillip fungou e olhou para ela. Sua mão fez um carinho suave na bochecha macia. 

— Ele teria amado te conhecer. 

Ela concordou. 

— Ele me conhece, amor. Ele estará sempre com você. Sempre. 

Sim, estaria. Phillip voltou a abraçá-la e fechou os olhos, pensando em silêncio:

Obrigado, pai. Vou fazê-lo orgulhoso o resto dos meus dias. Prometo que sim. 

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