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"Minha querida Iris"

1817, Chianti, Toscana

 

Sentada junto à penteadeira de seu quarto, Iris tamborilou os dedos na madeira ao encarar o envelope lacrado. 

— Amore mio, vou ler de uma vez! 

Seu marido sorriu ao terminar de dobrar a roupa limpa. 

— Bella, sua mãe disse que seu pai pediu que esperasse o nascimento do bebê para abrir esse envelope. 

— Isso foi um insulto! — ela rebateu, erguendo a carta para Paolo. — Papai me conhecia! Como teve coragem de pedir que eu esperasse para ler palavras dele? Já não basta que eu esteja esperando este bebê?

Ela se levantou devagar, sentindo uma suave dor nas costas. Seu filho ou filha deveria nascer nos próximos dias, mas ela não podia mais adiar aquela leitura. 

Era seu pai ali, em letras e palavras espalhadas. Saudades era um sentimento a que Iris tivera que aprender a se acostumar,  vivendo tão longe, mas a de Wallace doía. 

E doía porque era definitiva. Porque ele partiu de repente, sem que nenhum dos Spencers pudesse dizer adeus. 

— Venha cá, sua rebelde. — Paolo se aproximou e pegou-a no colo. Colocou-a sobre o colchão macio, arrumou um travesseiro em suas costas e beijou a ponta de seu nariz. — Muito bem. Se quiser lê-la, lhe darei cobertura — disse ele, ao se sentar na outra extremidade da cama. 

Iris sorriu. 

— Vai cobrir minha rebeldia?

Paolo lhe deu uma piscadela. 

— Sou bom nisso, se lembra?

Ah, ela se lembrava muito bem. 

Iris assentiu, respirou fundo e abriu o envelope de uma vez. Ajeitou os óculos no nariz e fitou a letra de seu pai. 

— Quer ouvir? — Seu olhar se encontrou com o de Paolo. 

— Quero, se desejar compartilhar esse momento comigo. 

Pois bem. Trêmula e emocionada, Iris começou: 

 

“Minha querida Iris

Eu imaginava que você voaria um dia. 

Sua mãe se preocupava com seu jeito calado e com sua fascinação pelos livros. Nunca me preocupei, querida. As caladas são as mais terríveis, e você de fato conseguiu chacoalhar Garden’s House com muita facilidade quando um certo lacaio ultrapassou alguns limites. 

Dois atrevidos, vocês são. O destino sabe mesmo o que faz. 

Embora as saudades apertem em vê-la viver tão longe, meu coração de pai regozija com sua felicidade. Porque eu sei que está feliz, consegui ver no brilho de seu olhar. Você e Paolo nos mostraram que nem tudo é como parece ser, e que o perdão é uma força poderosa. Sem contar que vejo muitas vantagens em ser sogro de um produtor de vinhos. Se o Sr. Mazza estiver ao seu lado, diga a ele que persista. Vislumbro um futuro próspero para seus negócios, mais ainda para a família de vocês, para esse bebê que você carrega. 

Quando eu me for, não se sinta culpada por viver longe, Iris. Jamais se sinta mal por ter agarrado sua felicidade e por perseguir seus sonhos. 

Suas asas são preciosas. Use-as. 

Voe alto e sem temor, aproveite a brisa que lhe beijar o rosto e sorria. Me faça orgulhoso e crie seus filhos para voarem também. Seu encanto vale ouro, meu bem. 

Sempre estarei com você. Sempre. Isto jamais será um adeus. 

Com amor,

Wallace. 

PS: você leu a carta antes das instruções de sua mãe, não leu? Eu sabia que sim. 

Essa é minha filha caçula. ”

 

Iris e Paolo soltaram um riso em conjunto. Mas ela chorava também, de alegria e tristeza. 

Iris tirou os óculos e limpou os olhos úmidos. 

— Ele tinha razão sobre suas asas — Paolo disse. — Elas são poderosas, amore. 

— Asas que ele e mamãe nunca cortaram. Que me levaram até você. Papai sempre compreendeu meu jeitinho de ser — comentou ela, emocionada. — Mamãe tagarelava preocupações, mas ele tomava um gole de brandy e a acalmava. Sorria para ela, lhe dava um beijo carinhoso e dizia que, um dia, todas as flores de Garden’s House fariam um homem de sorte muito feliz. 

Paolo se aproximou e puxou-a para si. 

— Ele estava certo. — Paolo apoiou a mão sobre a barriga saliente. — Sou o homem mais feliz do mundo, bella. 

Então ela começou a seguir os conselhos de Wallace naquele mesmo instante. 

Com o coração preenchido e em paz, Iris aceitou o beijo do marido e sorriu. 

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