New South Wales, Austrália
1819
— Como assim, acabaram?
Basil olhou para o dono da venda, com a postura ereta e as sobrancelhas franzidas. O homem coçou a careca lustrosa, apertando os lábios numa linha fina.
— Acabaram, sir. Não temos mais cerejas.
— Isso é inadmissível. — Basil respirou fundo. — Minha esposa está grávida e quer bolo de cerejas. Preciso da fruta, Senhor Brooks.
O sujeito não pareceu impressionado.
— Eu adoraria fornecer-lhe, mas não a tenho. Como eu disse, três vezes — ele frisou —, elas acabaram.
Ora, ora, mas quanta ousadia.
Ele abriu a boca para responder, mas foi interrompido.
— Entendo que a Senhora Whitford esteja com vontade de cerejas. Acredite em mim, tentei arranjá-las quando o pai dela me mandou uma nota ontem à tarde. Infelizmente, tivemos um problema com a carroça e não pudemos ir até meu fornecedor.
Basil esfregou os olhos, pensando.
— Onde seu fornecedor mora?
— Um pouco mais ao oeste.
— Onde, Senhor Brooks?
O homem suspirou pesadamente e pediu licença, se retirando por breves minutos. Ao voltar, o fruteiro abriu um mapa antigo sobre o balcão, e apontou com o dedo indicador:
— Aqui. Fica há uma hora e meia daqui, mais ou menos.
Basil apertou os olhos para o mapa, inclinando a cabeça para o lado.
— Já estive ali uma vez, para um baile.
— Sim, a vila é habitada por diversos nobres. Alguns a chamam de Kensington.
O inglês concordou. Desde que decidira viver na Austrália, já fazia algum tempo que começara a trabalhar com o sogro na administração daquela área. Com frequência, Basil fazia curtas viagens às vilas da região, principalmente àquelas habitadas pelos emancipistas.
— Não é difícil chegar até lá, é só seguir pela estrada à esquerda. Acha que se eu mandar alguém ali, possa conseguir a fruta? — Basil perguntou a ele, desviando os olhos do mapa.
O Senhor Brooks coçou o queixo.
— Não vejo por que não. Diferente de nós, a produção de cereja deles é grande.
Basil concordou e se despediu do homem, caminhando a passos rápidos de volta para a casa do sogro, onde ele, sua esposa, Mary, e seus dois filhos estavam se hospedando nos últimos dias. Basil e Mary viviam perto dos Jones, mas com as festas de fim de ano, era um costume que dormissem na embaixada para evitarem ficar se locomovendo com frequência. Naquele ano particularmente, em que Mary estava com a terceira gravidez avançada, sua perna boa doía com regularidade devido ao peso extra, então Basil fazia o possível e impossível para mantê-la confortável.
Na verdade, ele faria qualquer coisa por aquela mulher. Nem se surpreendia mais com o efeito que Mary tinha sobre ele. De fato, Basil já não era mais aquele cretino que uma vez chegara à Austrália, e ele não poderia estar mais feliz.
Ao entrar pelas portas do casarão, se dirigiu ao gabinete do sogro, que andava ocupado naqueles últimos dias, resolvendo as pendências dos condenados que haviam chegado no mês anterior.
— Senhor Jones? — Basil bateu duas vezes na porta. O homem levantou o rosto para ele.
— Sim?
— Preciso de alguém que me leve para Kensington.
— Hoje, na véspera de Natal? — O sogro franziu as sobrancelhas grisalhas.
— Sim, hoje. Fui buscar as cerejas na venda para que a cozinheira prepare o bolo de Mary, mas a fruta acabou. O Senhor Brooks disse que o produtor vive em Kensington.
Howard Jones balançou a cabeça em negativo.
— Esqueça as cerejas, Whitford. Minha esposa já pediu à Meg que providenciasse um bolo de pêssegos. Mary gosta de pêssegos.
— Mas quer cerejas — Basil ressaltou. — Vou até lá e volto no máximo no fim da tarde.
— Não há quem o leve. — Howard se levantou. — Dispensei o cocheiro, ele deve estar indo embora a uma hora dessas. Ele também tem uma família.
Ah, mas que droga. Basil fez uma careta, sentindo a contrariedade crescer dentro de si.
— Deve ter alguém que possa me levar.
— Não há ninguém disponível para a viagem, Whitford — o sogro repetiu, e pôs a mão sobre seu ombro esquerdo —, a não ser que conduza uma carroça pessoalmente até lá, Mary terá que se contentar com bolo de pêssegos. Mas não se preocupe. Ela vai sobreviver.
Basil preferiu não responder para não faltar ao respeito com o homem.
Sobreviver... onde já se viu? Mary era sua esposa, o amor de sua vida, e se ela queria bolo de cerejas, pêssegos certamente não eram uma escolha plausível.
Ele caminhou até seu dormitório a passos duros, ouvindo a voz suave chamá-lo assim que passou pela porta da sala.
— Querido?
Basil deu três passos para trás, e encontrou o olhar da esposa. Mary estava linda como sempre, sentada no sofá com a filha de dois anos deles, Selena, no colo dormindo.
— É impressão minha, ou o ouvi resmungar? — Mary perguntou, franzindo as sobrancelhas.
— Não é impressão. Não encontrei suas cerejas.
— Ah, não? — Ela fez uma expressão decepcionada. Era exatamente aquele biquinho escondido que ele estava tentando evitar.
— Me perdoe, querida. — Ele se sentou ao lado dela.
Mary sorriu com o canto da boca.
— Ora, não há problema. Posso comer o bolo outro dia.
Ela era sempre muito modesta e fácil de lidar, mas Basil conhecia cada expressão naquele rosto bonito.
— Você está bem? — Basil olhou para a bebê adormecida. Assim como ele e Nick, Selena herdara seus cabelos escuros e olhos azuis. — Quer que eu a pegue?
— Estou um pouco sonolenta... — Mary bocejou.
— Por que não vai dormir um pouco? Descansar até o jantar.
Mary ponderava a questão ao sorrir para a mãe, que entrou na sala pondo a mão na cintura.
— Ela dormiu? — perguntou Jane Jones.
— Sim, acabei de fazê-la dormir.
— Ótimo. Agora me dê minha neta e vá descansar porque conheço essa carinha.
Mary deu uma risada.
— Vocês deveriam relaxar. Me sinto imensamente mimada.
— Porque merece ser. — Basil se levantou, ajeitando a lapela do casaco. — Venha, eu te levo para o quarto.
— Vou aceitar, mas apenas porque estou com preguiça.
— E Nick? Onde ele está? — Basil quis saber.
— Ele está brincando com Gabe no quintal. — Mary entregou a neném para a mãe.
— Certo. Vamos então, coisa linda... — Basil pegou-a no colo, alcançando as muletas que estavam ao lado em seguida. — A senhora pode cuidar de Selena? — ele perguntou para a sogra.
— É claro. Podem ficar tranquilos.
Ele deu um beijo na cabeça loira de Mary e caminhou pelo corredor longo em direção ao dormitório dos dois.
Deixando-a sobre a cama, Basil sorriu com a expressão sonolenta da esposa, fechou as cortinas, e colocou as muletas apoiadas na mesa de cabeceira.
— Descanse, meu amor. Nos vemos perto do jantar.
— O que você vai fazer para matar o tempo? — Mary deu um bocejo.
— Vou ler alguma coisa. — Ele deu de ombros. — Ou... não sei, verei o que faço.
Assim que Mary acomodou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos, ele encostou a porta atrás de si e pensou no que fazer. A história das cerejas ainda martelava em sua mente, e Basil era teimoso o bastante para conseguir irritar um continente inteiro quando contrariado — fizera isso constantemente, nos tempos de outrora.
A não ser que conduza uma carroça pessoalmente até lá, foram as palavras do Senhor Jones. Basil levou a mão ao queixo. Seria uma ideia tão absurda assim, ele conduzir uma carroça?
Saiu da casa em direção ao pátio e encontrou o cocheiro caminhando para fora do estábulo.
— Jonathan! Boa tarde. Está indo embora?
— Sim, sir. Terminei por hoje, o Senhor Jones me dispensou.
— Certo, ele me disse. Escute, pode... — ele pensou na palavra certa, ainda que não a soubesse — colocar o cavalo na carroça para mim?
— Arrear o cavalo?
— Isso. Preciso ir até Kensington.
O homem pôs a mão na cabeça, parecendo um tanto surpreso.
— Posso levá-lo, milorde.
— Não, é claro que não. Hoje é véspera de Natal, e você tem sua família.
— Sim, mas o senhor sabe conduzir uma carroça?
Não, ele não sabia.
— Tenho uma noção — Basil mentiu. A questão era que, se fosse antes, não pensaria duas vezes em mandar o funcionário levá-lo até o lugar para buscar as malditas cerejas. O problema era que, agora, Basil era alguém que se importava com o próximo. Argh, que patife ele virara.
— Não precisa fazer essa cara, eu ficarei bem. Apenas prepare o veículo para mim e vá para a casa.
O cocheiro não retrucou mais e fez o que ele pediu. Depois que o homem se despediu, Basil colocou a mão na cintura e encarou o meio de transporte em sua frente.
— Papai, o que está fazendo?
Basil se sobressaltou ao ouvir a voz do filho atrás de si.
— Estou vendo um negócio de adulto — respondeu ele. — Você, Senhor Nicholas, deveria estar brincando.
— Eu estava, mas vi você passando e quis saber aonde ia. — O garotinho sorriu. — Vai sair?
Basil pensou na resposta, passando os olhos no veículo de madeira. O cavalo amarrado nele parecia calmo, embora Basil não colocasse sua mão no fogo pela criatura.
— Sua mamãe quer cerejas para o bolo, e acho que papai terá que ir buscá-las nesse... — maldito transporte —, veículo.
Nicholas deu um salto animado.
— Oba, vamos buscar frutinha.
Basil franziu as sobrancelhas e encarou a miniatura de si mesmo.
— Não vamos, não. Não sei se consigo guiar, e não o colocarei em risco.
— Mas eu posso ajudar. — O menino se aproximou do cavalo. — Gaspar é meu amigo.
Gaspar? Era esse o nome do animal? O que acontecia naquele continente, em que todos os animais tinham nome de gente? Graças aos céus foi ele o responsável por batizar Gabe. Como o canguru se chamaria se não o fosse? Joseph? Louis?
Ah, é mesmo. Ele segurou o riso quando se lembrou que Mary quis chamá-lo de Basil Junior.
— Nick, acho melhor você ficar — Basil disse ao filho, voltando a se concentrar na conversa. A criança fez um biquinho.
— Por favooor, papai, me deixe ir junto.
Ele soltou o ar, mirando os olhos azuis do menino. Maldição de australianos que conseguiam tudo o que queriam dele.
— Está bem, mas teremos que tomar cuidado.
O menino passou correndo por ele, agitado.
— Vou apenas buscar uma coisa que esqueci.
— O quê? — Basil franziu a testa.
— Uma coisa importante!
A criança sumiu de vista e Basil balançou a cabeça em negativa, como se tivesse levado um peteleco na testa. Ele encarou o cavalo mais uma vez.
— Muito bem, Gaspar. Você terá que me ajudar. Vamos para Kensington, não quero problemas. Pegaremos a fruta e é isso.
Ante ao silêncio do animal, Basil revirou os olhos, se sentindo um tanto estúpido por aquele diálogo.
— Voltei. — Nick retornou sem ele se dar conta. Contudo, não foi o menino que chamou a atenção de Basil, mas sim o canguru atrás dele.
— O que Gabe está fazendo aqui? — perguntou o pai. O animal resgatado por ele e pela esposa anos antes tinha liberdade para viver na mata com os outros cangurus da região, mas era apegado à família e sempre os visitava.
Nicholas ergueu os ombros suavemente.
— Ele vai com a gente.
— Não posso levar um canguru na carroça, meu filho. Ele é grande demais.
O pequeno se virou para o bichinho, pôs o dedo indicador no queixo e ergueu os ombros.
— Hum... Gabe, eu volto logo! Não fique triste.
Basil teria revirado os olhos se a cena não fosse tão adorável. Nicholas o tinha mesmo nas mãos.
O animal apenas piscou rápido, mexendo um pouco as orelhas.
— Vá pular por aí, rapaz. — Basil fez um carinho no bicho.
— Até logo, Gabe! — Nick tentou subir no banco sozinho, embora suas pernas fossem curtas demais.
— Dê um impulso... — Basil soltou o ar, ajudando o filho a se por sentado. Ele se acomodou ao lado do garoto, pegando as rédeas de couro, sem saber ao certo o que fazer. — Bem, e agora? — murmurou para si mesmo.
— Agora, vamos pegar as cerejas da mamãe! — Nick bateu duas palminhas, animado. Céus, seu filho conseguia surpreendê-lo de tanto entusiasmo. Puxara isso de Mary, era a única explicação.
Sacolejando, Basil conseguiu puxar as rédeas e fazer o cavalo sair da propriedade, em direção à estrada.
— Hum, estamos indo bem, não estamos? — Ele olhou de soslaio para Nick, que assentiu. Um solavanco os fez pular no banco, e o menino gargalhou. O sorriso animado no rosto do filho enchia seu coração de alegria. — Está se divertindo?
— Estou. Posso ajudá-lo? — Nicholas perguntou, apontando com a cabeça para as rédeas que Basil segurava.
Ele pensou por um momento, ouvindo as patas do animal contra o chão de cascalho.
— Depois, deixe papai ter certeza de que está fazendo o correto aqui.
Nicholas concordou, como o bom garoto que era.
— Mamãe vai ficar feliz — Nick comentou.
Basil somente então se deu conta de que não sabia se aquela afirmação era verdade. Não que Mary fosse fazer um escândalo ao descobrir que ele e seu filho viveram uma aventura naquela tarde, mas se a situação fosse inversa, ele certamente não iria gostar de saber que ela se colocara em risco.
— Talvez não devêssemos contar à mamãe sobre isso.
— Por que não? — Nick perguntou.
— Porque... — Basil pensou numa desculpa —, isso pode ser um segredo nosso. Você sabe guardar segredos, Senhor Whitford?
— Sei. — Nick piscou os olhos azuis.
— Pois bem, temos um acordo. — Basil soltou uma rédea rapidamente e estendeu a mão para ele apertar. Nick deu uma risadinha ao aceitar o gesto.
Eles ficaram em silêncio por mais alguns minutos, e Basil olhou para o céu sem nuvens. Por sorte, o sol não estava tão quente naquele dia. Só então ele se deu conta de que esquecera seu chapéu. Olhou para trás, conferindo como Gabe estava. O canguru comia calmamente um pouco de grama ao longe. Basil soltou uma risada baixa.
— Gabe está fazendo um lanchinho — murmurou ele.
— Gabe é o meu melhor amigo!
Basil fez uma careta.
— Ora essa, pensei que eu fosse seu melhor amigo.
Nick arregalou os olhos um pouco.
— Eu... acho que é, mas Gabe é também. Ele gosta de brincar comigo.
— Ah, mas antes de você chegar a esse mundo, ele cabia no meu colo. Era muito menor e comia muito menos.
— Mas ele agora ele é grandão — Nicholas argumentou. — E acho que podemos ter mais de um amigo, não podemos?
Não que Basil tivesse muita experiência naquele quesito, mas sim, eles podiam. Ele ainda se impressionava com a inteligência de seu filho. Para apenas quatro anos, o menino tinha argumentos certeiros em diversos assuntos, além de ser curioso e parecer aprender as coisas sozinho. Ele era astuto, mas tão doce quanto Mary. Ainda bem.
— Claro que sim. Inclusive, você pode ganhar um novo melhor amigo em breve, já que o bebê pode ser menino.
— Sim, mas também pode ser outra menina, e então eu terei que proteger ela, como faço com Selena. — Nicholas tirou uma mecha de cabelo dos olhos.
— Muito bem, mantê-la segura, do jeito que te ensinei.
— Eu sei. Não me importo se for menino ou menina. Mamãe disse que vou amar o bebê de qualquer jeito.
— Sim, você vai. Todos vamos — Basil concordou.
— Você não tinha irmãos na Inglaterra, papai? — Nicholas perguntou.
— Não.
— Por quê?
Ah, aquela era uma história muito complicada e sombria para seu filho de quatro anos ouvir.
— Apenas não tive.
— Então quem eram seus amigos? — O pequeno inclinou a cabeça para o lado.
Basil pigarreou, sem olhar para ele.
— Papai não tinha amigos, meu filho.
Nicholas pareceu triste. Na realidade, até mesmo Basil sentia uma pontada de tristeza se pensasse naquilo por muito tempo.
— Mas agora eu tenho o melhor amigo de todos. Você. — Ele sorriu para o garoto. Era verdade. Apesar da vida solitária que levara na Inglaterra, depois que decidiu ficar na Austrália e construir sua família, ele jamais se sentiu sozinho de novo. Ao contrário, conforme sua família aumentava, o amor que crescia dentro dele e que o fazia completo também.
— E Gabe. — Nick voltou a exibir um sorriso satisfeito.
— Sim, e Gabe. Venha aqui, sente-se no meu colo e me ajude a conduzir Baltazar.
— Gaspar! — Nick gargalhou, corrigindo-o e obedecendo-o.
Basil riu junto, segurando as rédeas sobre a mão pequena, e eles permaneceram daquela forma o resto do caminho.
***
Mary arrumou o filho para dormir, ainda sentindo o estômago cheio por ter exagerado no bolo de cereja. Basil estava no quarto ao lado, colocando Selena no berço. Tentando, pelo menos, já que a neném estava um tanto agitada. Ela sorria somente ao lembrar de ter acordado de sua soneca e encontrado a expressão satisfeita e orgulhosa de seu marido quando ele disse que havia conseguido as pequenas frutas.
Mais uma vez, como fazia desde que voltara da Inglaterra para ficar com ela, lá estava ele, fazendo todas as suas vontades, tudo isso mantendo a mesma postura ereta e o brilho ardiloso nos olhos.
Lindo, aquele homem terrível.
— Prontinho, querido. Agora podemos dormir.
Nick balançou a cabeça em afirmativo, seus olhinhos azuis já pesados de sono.
— Hoje foi um dia muito divertido, mamãe.
— Foi, não foi? Você se divertiu com Gabe?
Nicholas levantou o canto da boca, e uma covinha se formou na bochecha corada. Ele fez uma expressão travessa.
— Tenho um segredo, mas não posso contar.
Mary franziu as sobrancelhas loiras.
— Pode sim — ela retrucou. — Para a mamãe você pode contar tudo.
Nick piscou rápido, os cílios longos e escuros agitados.
— Mas o papai vai ficar bravo comigo.
Hum, se seu marido estava envolvido, definitivamente ele tinha que contar aquele segredo. O que Basil teria aprontado agora?
— Ora essa, Nicholas. Já viu seu pai ficar bravo conosco? — Ela levou uma mão na cintura.
Ele pensou por um minuto, e então chacoalhou a cabeça em negativo. Era verdade. Mary sabia que seu marido podia demonstrar um temperamento difícil com muitas pessoas, basicamente toda a Austrália, menos com ela e com os filhos. Ah, e com Gabe também.
— Pois então, conte-me.
Nick colocou a mãozinha na boca, sussurrando:
— Fomos andar de carroça!
Ela não entendeu.
— O quê?
Nicholas confirmou.
— Sim, para pegar as cerejas. Papai dirigiu a carroça, e eu dirigi também! Gaspar foi muito obediente, e Gabe fez um lanchinho.
Mary soltou um riso baixo, tentando juntar aquelas informações para que fizessem sentido.
— Como assim, para pegar as cerejas? Vocês foram até onde?
— Não sei, mas não demorou muito. Papai comprou as cerejas e voltamos antes que você acordasse. — Ele sorriu. — E assim, você pôde comer seu bolo.
O coração de Mary acelerou no mesmo instante. Transbordou, na verdade. Basil conduzira uma carroça sozinho até se sabe lá que lugar somente para pegar cerejas para ela? Oh, céus, pensando bem, ela notara mesmo durante a ceia que ele e Nicholas pareciam um pouco mais bronzeados.
Basil, Basil... sempre a surpreendendo.
— Você e seu pai gostam de aprontar, não é?
— Papai disse que gosta de te fazer feliz. — Nicholas bocejou, e ajeitou a cabeça no travesseiro.
— Sim, querido. — Mary acariciou a bochecha macia no rostinho já adormecido. — Ele gosta.
Amava, na verdade. Assim como ela amava fazê-lo se sentir da mesma forma.
***
Em silêncio, Basil chegou na porta do quarto de Nick e observou a esposa terminar de ajeitá-lo para dormir. Assim que Mary beijou a cabeça do filho adormecido, Basil se aproximou dela e pegou-a no colo.
— Querido, posso andar até o quarto...
— Não seja boba. Você já se esforçou demais por hoje. — Ele ajeitou-a em seus braços. — Sem contar que eu vi quanto bolo comeu, deve estar bem mais pesada...
— Seu canalha... — Mary sussurrou, segurando as próprias muletas e soltando uma risada. — Selena já dormiu?
— A coloquei na cama agora mesmo, já está dormindo como um anjo.
Mary concordou, e ajeitou melhor os braços ao redor do pescoço dele.
Basil deu um beijo em seu rosto ao caminharem para o próprio quarto, onde ele a deixou na cama, da mesma forma que havia feito mais cedo. Ela se despiu rapidamente, colocando a camisola pela cabeça e deixando os cabelos soltos.
Ele começou tirando a casaca, e então as botas. Estava um tanto cansado, depois daquela aventura que tivera com o filho no período da tarde, mas valera a pena. Basil não teve nenhum problema em comprar as benditas cerejas, e o caminho da volta pareceu mais curto. Nick estava certo quando dissera que o cavalo era tranquilo. Por sorte dele, tudo saiu melhor do que o planejado.
Ele percebeu que Mary o fitava com um olhar carinhoso.
— O que foi, coisa linda? — perguntou, se aproximando e acomodando-se ao lado dela.
— Eu amo você. — Mary sorriu.
Basil retribuiu o gesto.
— Eu sei. Apenas amor explica o fato de me aturar com tanta dedicação. Você sabe, colocando pequenas cópias de mim no mundo e tudo — ele brincou, fazendo-a rir.
— Não me refiro a isso. Amo você e como cuida de mim e dos nossos filhos. Como subiu em uma carroça somente para me apanhar cerejas.
Basil sentiu-se corar. Nicholas era ardiloso. Droga, e ele tinha certeza de que aquilo o garoto herdara dele, não havia nem o que duvidar.
— Nick é mesmo um tagarela, não é?
Mary soltou uma risada, concordando.
— Ele ficou muito animado em conduzir a carroça.
Basil riu junto.
— Ele estava animado por conseguir as cerejas da mamãe.
— Hum, puxou o pai dele, então. — Mary beijou-o de leve. — Por que não me contou?
— Porque eu não fazia ideia do que estava fazendo e fiquei com receio de você ficar brava por eu levá-lo junto. Eu disse não a princípio, mas ele fez aquela cara.
— Ah, sim. Aquela cara... — Ela riu. — Somente você para cruzar a cidade por um punhado de frutas.
— Frutas para o bolo de minha esposa. Sem contar que eu já cruzei os oceanos por você. É claro que uma carroça não me impediria de conseguir suas cerejas.
Mary aproximou seu rosto do dele, esfregando seus narizes.
— É claro que não, sendo o senhor Basil Whitford.
— Sim — ele beijou seus lábios de leve —, o cretino com quem a senhora aceitou se casar e formar uma linda família que está prestes a aumentar.
Os olhos dela cintilaram amor.
— O cretino que eu amo.
O coração de Basil acelerou no mesmo instante, aquecendo-o por completo.
— O cretino que a ama também. Mais do que qualquer outra coisa nesse mundo. — Ele voltou a beijá-la, e permaneceram assim o resto da noite.