Boston, EUA
Dias atuais
Carter
— Jules?
Entro em casa e chamo pela loirinha. Estou com um buquê de rosas escondido nas costas e o bracelete que comprei para ela dois meses atrás está na minha mochila.
Hoje é Dia dos Namorados, e como já faz um tempo que não passamos um tempo a sós, decidimos deixar Taylor na casa dos meus pais e aproveitar a noite.
— Julie… — Eu caminho até a cozinha, de onde sinto um cheiro gostoso de assado.
— Oi, amor — ela me responde, abaixada em frente ao forno aberto, observando o que quer que esteja lá dentro. Ela está usando um vestido verde que ressalta a bunda empinada — e é por isso que amo esse vestido.
Assim que Julie se levanta e seu olhar azul encontra o meu, eu sorrio. É inevitável. Meu coração sempre dá uma descompensada quando essa mulher olha para mim, mesmo que já estejamos juntos há 19 anos. Isso mesmo, quase duas décadas desde que éramos apenas universitários na Brown. Taylor, nossa filha, está com sete anos agora, fala pelos cotovelos com uma melhor dicção do que eu desde os três. Ela é a cara da Julie, os mesmos cabelos claros e olhos azuis.
O tempo realmente passa.
— Como foi hoje? — Eu a puxo para um beijo rápido e estendo o buquê de flores vermelhas. — Para você.
— Oun… que lindo. — Ela aceita o ramo de flores e seu sorriso se abre mais. — Obrigada. Foi um dia bom. Sua mãe passou pegar a Tay e a lasanha já está quase pronta.
— O cheiro está uma delícia. Vou tomar um banho e volto logo, posso te ajudar.
— Ah, não se preocupa. Só falta lavar a salada, deixa comigo.
Deixo Julie na cozinha e sigo para o quarto. Enquanto tomo um banho rápido, continuo reflexivo em como chegamos até aqui. Depois da Brown, eu comecei a trabalhar em Nova York, Wall Street foi um sonho realizado. Julie arranjou emprego numa editora famosa e conseguiu lançar três escritores de romance no mercado, um deles inclusive assinou contrato com um streaming, uns três anos depois. A vida era ótima lá, mas quando Taylor nasceu, chegamos à conclusão de que viver em Manhattan era um tanto demais para a pequena. Voltamos para Boston, eu assumi um emprego no departamento financeiro de um banco e Julie hoje trabalha por conta, como editora de autoras independentes.
Saio do banho, me seco com uma toalha limpa e visto a boxer, jeans e camiseta, além de aplicar o perfume no pescoço. Tiro o embrulho da joia da mochila e caminho de volta para sala.
— Pronto, linda. Agora sou todo seu — digo, assim que a encontro terminando de arrumar a mesa de jantar. — O que eu faço?
— Vinho e taças — Julie me diz, apontando para o bar.
Dou alguns passou e alcanço as taças e o vinho. Em menos de dez minutos, estamos sentados junto a mesa à luz de velas.
— Você está deslumbrante. — Eu olho para ela. — Aqui, amor. Seu presente.
Julie sorri e aceita o embrulho no mesmo instante.
— O que será…? — ela diz enquanto rasga o papel com cuidado. — Carter! Que coisa mais linda. — Seus olhos cintilam quando ela olha para o bracelete.
— Mandei gravar. — Mostro a ela a frase de uma de suas músicas preferidas gravadas na peça.
E sim, a música é da Taylor Swift. Algumas coisas nunca mudam.
— Eu amei. — Ela me puxa para um beijo. — O seu presente vem depois.
Eu franzo a testa, intrigado. Julie não costuma fazer muito mistério com presentes, mas não vejo porque insistir. Ela deve ter seus motivos.
— E como foi o dia? — ela me pergunta.
— Tranquilo. Conseguimos resolver os problemas da semana passada. — Eu abro a garrafa de vinho enquanto Julie nos serve a lasanha. — Os dessa semana ficarão para semana que vem.
Ela ri.
— E eu estou atrasada porque me distraí com a lição de casa da sua filha.
— Qual?
— A dos ancestrais. Consegui verificar a árvore genealógica da minha família e acredite se quiser, cheguei a 1800.
Eu corto um pedaço da lasanha, curioso.
— E o que descobriu?
— Bem, ao que parece, tudo começou em Londres. Há um visconde na família, e o irmão dele, Mark Fletcher, veio para Boston em 1815. — Ela toma um gole do vinho. — Ele se casou com Daphne Fletcher. O filho dele, Mark Jr., era escritor…
— O que significa que seu gosto por letras é de família.
Ela assente.
— Exatamente. E a irmã mais nova dele, Irma Fletcher, se casou com Paul Morgan, tataravô do meu bisavô, também chamado Paul Morgan.
— Que interessante… será que consigo fazer a minha? Tenho curiosidade de saber de onde vieram meus ancestrais.
— Eu fiz. — Julie umedece os lábios e faz uma expressão travessa. — Você tem origens da Escócia, o que fez todo sentido com seu cabelo ruivo. E há um duque em sua família… Lorde Keith, se não estou enganada. Eu salvei tudo para vermos depois. Taylor me disse que quer levar absolutamente todos os dados possíveis.
Eu e Julie continuamos conversando durante o jantar. Eventualmente busco sua mão e faço um carinho com a ponta dos dedos.
— Bem, o que faremos agora? — ela me pergunta assim que terminamos de comer.
Ergo uma sobrancelha porque… bem, sabemos o que acontece agora, certo? Estou doido para tirar esse vestido dela.
— Creio que vou te levar para a cama. — Levanto e a puxo para mim.
— Seu presente primeiro — Julie diz, se desvencilhando do meu abraço. Ela caminha até a cozinha e abre uma das gavetas, tirando um envelope de dentro. — Aqui. — Ela o estende para mim.
Estou muito intrigado, não vou mentir. Abro o envelope e puxo a folha, meus olhos correndo imediatamente pelo conteúdo.
É nesse exato momento que meu coração para de bater por alguns segundos.
— Jules…
Desvio o olhar do teste de gravidez positivo e encontro os olhos azuis, que agora estão úmidos.
— Sei que não planejamos, mas… aconteceu.
— Amor, isso é… — Eu realmente não sei o que dizer, apenas sentir. Envolvo meus braços ao redor de Julie e a afundo meu rosto na curva de seu pescoço.
— Está feliz? — Ela procura meu olhar. — Sei que isso muda um pouco os planos que fizemos, mas eu…
Tomo a boca de Julie para mim e a calo com um beijo. Ok, foi mesmo uma surpresa e tanto. Depois de Taylor, havíamos decidido não ter mais filhos. Só que, como ela mesma disse, aconteceu, e eu não poderia estar mais realizado.
— Eu amo você — digo, entre beijos. — E sim, estou feliz, mulher. Surpreso, claro, mas muito feliz.
Julie volta a se emocionar, e quase como se fôssemos os mesmos jovens de vinte anos antes.
— Taylor vai adorar saber. Ela sempre pede um irmão ou irmã.
— Acho que todos ficarão animados.
Julie faz um carinho no meu rosto.
— Eu amo você, Carter Bailey. Você pode me levar para o quarto agora. — Ela morde o lábio inferior. — Quero que me mostre o quanto está feliz.
Então eu faço exatamente isso.
***
Boston, EUA
200 anos antes
Todas as vezes que Mark Fletcher encarava a esposa com aqueles olhos brilhantes, Daphne sabia que ele tinha algo planejado.
Era isso que dava ser casada com o último dos românticos e conhecer seu marido tão bem.
— O que foi? — Daphne perguntou, atrás do balcão da “Tulipas” e colocando uma das mãos na cintura.
— Adivinha o que fiz? — Fletcher ergueu uma sobrancelha para ela.
— O quê?
— Acabei de deixar Violet e Mark aos cuidados do caríssimo James Simas e de Mariana.
Daphne franziu as sobrancelhas imediatamente.
— Espere, quando você saiu de casa com eles? Estou tão distraída nos livros-caixa assim?
— Sim, mas eles moram ao lado, não é como se eu tivesse levado muito tempo.
Seu marido caminhou até ela, cada passo que ele dava acentuava aquela expressão safada. Ele tinha aqueles ombros fortes e largos que mesmo anos depois ainda a hipnotizavam, assim como a covinha no queixo.
— E posso saber por que estamos sozinhos, Sr. Fletcher?
— Porque, Sra. Fletcher, a senhora me disse que queria ter mais um filho comigo. Não se lembra?
Daphne riu.
— É claro que me lembro. Eu disse isso ontem.
— Então tomei providências. Façamos outro bebê, neste instante!
Daphne continuou rindo, mas não era como se tivesse tempo de responder. Fletcher tirou-a detrás do balcão, pegou-a no colo e subiu os degraus da pousada — que graças aos céus, não tinha hóspedes naquela tarde —, levando-a para o quarto e fazendo seu melhor para colocarem mais um Fletcher no mundo.
E não é que funcionou? Nove meses depois, numa bela manhã ensolarada de primavera, Irma Fletcher nasceu. Assim como acontecera no parto de Violet, Fletcher permaneceu ao lado da esposa durante todos os momentos, e chorou quando pegou a filha no colo — desta vez, a menina se parecia muito com Daphne.
— Estou encantando em como conseguimos colocar tantos bebês lindos no mundo — Fletcher comentou, rindo quando a neném apertou a ponta do dedo dele.
— Três filhos… acho que podemos dizer que temos uma família e tanto — Daphne suspirou, seu coração transbordando de amor.
— Sim, temos, e isso só vai melhorar. Nosso amor ainda vai existir por muito tempo, meu bem. Pelas gerações que virão.
E ele estava certo sobre isso também.
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