“Querida Cornelia”
Londres, setembro de 1818
O casamento de Cornelia e Anthony Heart tinha sido melhor do que o esperado. Não somente a caçula dos Spencers dissera sim ao amor de sua vida, mas também presenciara um momento aguardado por todos: a felicidade de seu irmão Flavian e sua amiga Violet, após anos de separação e sofrimento.
Que dia maravilhoso fora aquele, pensou Cornelia, ao entrar na carruagem ao lado do marido para irem para a Casa Heart, onde passariam a noite de núpcias. Contudo, ainda havia algo a ser feito naquela tarde especial.
— Tia Georgia me entregou uma carta — ela disse a Anthony.
— Uma carta? — O homem lindo em sua casaca formal afrouxou a gravata ao perguntar.
— Sim, uma carta. De tio Wallace. Ele a escreveu antes de morrer. — Cornelia mostrou o envelope a ele.
Anthony encarou o pedaço de papel com curiosidade.
— Vai lê-la?
— Sim! Claro. Apenas… — Ela sentiu uma emoção se acumular em sua garganta. — É estranho. Sinto falta de titio. Não esperava por esse gesto.
Lorde Heart tocou em sua mão enluvada.
— Isso é uma coisa boa, meu amor. Seu tio arrumou um jeitinho de estar presente em nosso casamento.
Ela sorriu. Sim, Tony tinha mesmo razão.
Assentindo, Cornelia respirou fundo e abriu o envelope. Sob o olhar atento de Tony, ela leu as palavras em voz alta:
“Querida Cornelia,
Ah, que alegria é que esteja lendo tais palavras. Isso significa que você encontrou seu par e que, agora, poderá construir sua vida ao lado da pessoa que ama.
Porque você se casou por amor, não foi, meu bem? Jamais pensei que Cornelia Lucia Spencer se casaria por qualquer outro motivo que fosse, e sabe por quê? Porque “amor” é tudo que penso quando olho para você.
Sei que passou por uma fase difícil, querida. Que ver seu irmão partir e perder seu pai foi um golpe e tanto. E então Flavian retornou para nós, tão quebrado. Contudo, entre todos os problemas e tristezas, você se manteve em pé, pronta para ajudá-lo.
Você, Cornelia, é uma preciosidade difícil de se encontrar.
As crianças de William sempre ocuparam em meu coração o mesmo espaço que meus próprios filhos. Infelizmente, seus pais não viveram o bastante para verem o tanto que vocês conquistarão no mundo. Nem eu viverei, considerando as circunstâncias. Entretanto, não se entristeça com isso, Cornelia.
Sei que ficarão bem. Que serão felizes. Sei que você será amada, pois tudo que oferecemos ao mundo, ele nos dá em retorno.
Fique bem, pequena. Mostre sua arte ao mundo, use sua coragem para inovar.
Você pode estar casada agora, mas sua essência sempre será dos Spencers. E se algo a impedir de ousar, lembre-se: fazemos escândalos como ninguém.
Com amor e saudade,
Wallace.”
​
Cornelia sentiu a garganta embargar e limpou a lágrima solitária que escorreu em sua bochecha.
— Que lindo… — Ela olhou para Anthony. — Tio Wallace sempre foi muito especial.
O noivo do dia também estava emocionado.
— Ele parece que conhecia vocês todos muito bem.
Cornelia deixou o papel de lado e deitou a cabeça no ombro dele.
— Conhecia… papai confiava nele inteiramente. Acho que eles estão juntos agora, olhando para nós com alegria. Minha mãe também.
Um silêncio pacífico os envolveu por alguns instantes. Tudo que se ouviu foi o barulho das rodas da carruagem nos cascalhos da rua.
— Eu gostei da ideia de mostrar sua arte ao mundo — Tony comentou. — Acho que você deveria fazer isso.
Cornelia voltou a olhar para ele, intrigada.
— Mas como eu faria isso?
O marido deu de ombros.
— Poderíamos expor suas obras numa galeria.
— Nenhuma galeria concordaria em expor o trabalho de uma mulher.
— Eu compro o local, então. Faremos como Handel e Jasmine, seguiremos nossas próprias regras.
Um sorriso de empolgação tomou conta do rosto dela, completamente.
— Seria um escândalo… — murmurou Cornelia.
Anthony pegou o papel e o levantou, com a expressão travessa.
— Mas temos o devido incentivo, não temos?
Ela gargalhou.
Sim, tinham. Tio Wallace certamente ficaria muito orgulhoso.