“Querido Fabius”
Bath, dezembro de 1817
Jack entrou na sala de banho e admirou a figura molhada e linda de sua esposa. Abby estava nua, relaxada na banheira, com os cabelos castanhos presos em um coque comportado.
— Vai se juntar a mim? — perguntou ela, quando ele se aproximou.
— Quero muito, mas também quero ler isto. — Ele levantou o envelope que segurava para ela.
Abby franziu as sobrancelhas.
— Isto seria…?
— Uma carta de tio Wallace. Segundo tia Georgia, Lorde Spencer escreveu uma para cada um de nós. Foi uma maneira que encontrou antes de se despedir propriamente. — Jack sentou-se no chão, numa área seca perto da banheira.
Abigail se mexeu na água e debruçou sobre a borda.
— Que lindo da parte dele. Você não leu, ainda?
Jack negou. Fazia três dias desde seu casamento com Mel. Eles estiveram ocupados e emocionados demais com a família reunida, isso fora a despedida de Benjamin. Agora, com a casa tranquila, parecia que o momento de apreciar aquela surpresa finalmente chegara. Embora não se considerasse o mais emotivo dos Spencers, Jack ainda se lembrava do momento da partida de tio Wallace, da figura caída no chão, o desespero de Phillip e sua impotência com a situação.
Talvez, a carta o ajudasse a superar de uma vez aqueles momentos tão tristes.
— Estava esperando que ficássemos a sós. Posso ler com você? — perguntou à esposa.
— Claro, querido.
Jack sorriu levemente e abriu o papel rabiscado, lendo em voz alta:
​
“Querido Fabius…”
Ele riu.
— Tio Wallace sempre me provocando, até mesmo depois de morto… — murmurou, antes de prosseguir.
“Eu sei, eu sei. Fabius deveria ser um nome proibido a todos nós. Mas releve este velho moribundo, sim? Ao menos me permita lhe provocar enquanto ainda tenho chance.
Não que eu esteja preocupado em magoá-lo. Conheço o sobrinho que tenho, o homem brincalhão e cheio de alegria que é, meu caro Jack. Assim como também conheço sua essência responsável. O homem honrado que se esconde em um devasso provocador. Um filho dedicado, um irmão amoroso, um amigo leal.
Conheço o verdadeiro Fabius John Spencer, e ouso dizer que ele ainda irá se surpreender muitíssimo.
Se posso lhe dar um conselho, garoto, será este: não perca sua confiança. Entendo que agora faça sentido viver sua vida, cuidar de seus próprios problemas, mas sua ousadia é coisa rara. Jamais a sufoque. Jamais acredite que não é possível.
Você está lendo esta carta em seu casamento, o que presumo (ou espero) que tenha se dado por amor. Os Spencers sabem amar como ninguém, e o senhor não será diferente. À mocinha que domou tamanho libertino: meus parabéns, a senhora tem minha admiração. E ao libertino que foi domado por ela, escute bem: cuide dessa mulher e a faça feliz. Permita-se ser feliz, também, meu filho.
Continue sendo um bom amigo para Phillip quando eu faltar. Cuide bem de Cornelia, ajude-a a encaminhar-se para a vida. Principalmente, tenha paciência com Flavian. Ele irá retornar, apenas dê a ele um pouco mais de tempo.
Mantenha a cabeça em alto, Fabius.
Sua mãe e seu pai estariam muito orgulhosos de você, assim como eu estou.
Com saudade,
Wallace.
Ps: desejo que o ringue seja apenas um dos muitos legados que irá construir.
Ps2: Sim, eu sei que você é a mente brilhante por trás do famoso Fightplace. Seu pai e eu nunca tivemos segredos.”
A fungada de Abby foi o que fez Jack parar de encarar o papel.
— Não chore, meu amor — ele pediu, embora também estivesse muito emocionado.
— Isso foi muito lindo. — Abby sorriu para ele.
— Sim… tio Wallace era mesmo um sabichão.
Ainda reflexivo, ele deixou a carta de lado e estendeu a mão, fazendo um carinho no rosto dela.
— Que bonito ele deixar cartas a todos vocês… — Abby comentou. — Cartas são preciosas, sabe? A última enviada por Barney é o meu consolo quando a saudade aperta. — Um suspiro saiu da garganta dela.
— O que foi, minha linda? O que esse barulhinho significa?
Abby levantou o canto dos lábios e deu de ombros.
— Eu apenas queria poder fazer isso com Ben. Escrever-lhe cartas, sabe?
Jack assentiu.
— Bem, você pode. Não há necessidade de enviá-las, mas ao menos você pode escrever ao seu irmão, se sentir que isso a ajuda com a saudade.
Lady Spencer inclinou a cabeça levemente para o lado.
— Sim… talvez eu faça isso. — Ela se movimentou até colar seus rostos. — Mas e se… deixarmos de lado a tristeza por ora, e aproveitássemos nossa lua de mel?
Jack ergueu uma sobrancelha e se levantou. Era uma sugestão muito sábia, aquela.
Uma vez que suas roupas e a carta estavam seguros longe da água, ele seguiu o conselho do velho Wallace e tratou de fazer sua mulher feliz.
E então fez de novo.
E de novo, e de novo, pelo resto de seus dias.